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I SAMUEL – XXIII – ANDANDO EM TERRITÓRIO INIMIGO

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febrero 25, 2016 by Bortolato

Equilibrando-se sobre o fio de uma navalha, e pisando em ovos.   Esta é uma circunstância constrangedora.   Quem um dia não teve que passar por situação humilhante, tendo que abandonar a sua própria casa e ter que ir morar com alguém que não tem respeito para com os costumes e princípios alheios?   Tendo que ir compartilhar moradia juntamente com quem estupidamente desdenha e ofende ao Deus a quem reverenciamos, e procura inocular práticas idólatras nas mentes daqueles que se viram despojados de suas moradias, prevalecendo-se da única opção que lhes restou?

Uma coisa é perdoar a quem se fez seu inimigo; outra bem diferente é sujeitar-se a ser anulado e morto por ele.   Respeito às autoridades constituídas é sábio, mas quando estas abusam do poder e tencionam fazer-nos o mal… resta a opção de nos afastarmos enquanto ainda é possível.

Em I Samuel, capítulo 27, Davi, depois de perdoar e poupar a vida de Saul por duas vezes, e apesar disso ser perseguido por este reticentemente, começa então a pensar seriamente em uma solução mais segura, a fim de que não seja, de repente, surpreendido pela espada, ao cair nas mãos de quem lhe desejava o mal.

Vivendo em cavernas, longe de todo conforto de uma casa, e trazendo consigo sua nova família, aquela que logrou constituir depois que seu sogro e rei destruiu a anterior, Davi e seus homens anelavam por ter um lar que abrigasse seus entes queridos, mas a perseguição não lhe permitira realizar tal sonho.

Apesar de ter poupado a vida do principal protagonista da caça à sua vida por duas vezes, a caçada continuava. O lobo perde o pelo mas não perde o vício.   Para onde ir então com seiscentos homens, com suas respectivas mulheres e crianças?

Permanecer vivos diante daquelas circunstâncias era como manter o equilíbrio, caminhando de olhos vendados sobre uma corda bamba.   Por um, dois e vários milagres, eles ainda estavam de pé, mas um leve vento, ou um pequeno escorregão traria uma fatalidade que não lhes permitiria uma segunda chance.

Eram tempos difíceis para eles.   Quem lhes daria um lugar seguro, a salvo da espada do rei Saul?

O único lugar onde Saul perderia as esperanças de caçá-los seria em terras dos inimigos deste – mas haveriam de ser inimigos poderosos e respeitáveis, que impressionassem e impusessem temor.

Saul não respeitava a unção que Deus fez cair sobre a cabeça de Davi um dia; não respeitava nem a sacerdotes que porventura dessem alguma ajuda ao belemita proscrito.   Seu desrespeito para com as coisas de Deus chegou ao cúmulo de ordenar a matança de nada menos que oitenta e cinco sacerdotes de Yaweh (22:18), manchando as suas mãos com sangue sagrado e inocente.

Proscritos, eis o que eram Davi e seus homens. Logo, não haveria paz entre ele e Saul enquanto ambos vivessem na mesma terra, a terra de Israel.

A terra de Israel, porém, era a terra que o Senhor Yaweh havia escolhido para o seu povo. Sair dali seria equivalente a ir para outra terra que não a terra abençoada por Deus.   Seria partir para um lugar cheio de idolatrias, feitiçarias e práticas detestáveis aos olhos do Senhor.   Seria ter de conviver com inimigos, dentro do território dos inimigos de Deus.

Difícil para Davi era ter que viver em terras estranhas, mas ele precisava manter-se vivo, bem como aos seus seiscentos…

À vista disso, Davi pensou bem e colocou um plano ousado em ação.   Um plano escuso, não revelado senão aos que lhe eram bem próximos.   Ninguém na terra, vendo-o do lado de fora, saberia desvendar tal coisa, senão com o passar do tempo, e ao chegarem à luz certos acontecimentos…

Ele tinha um exército, ainda que relativamente pequeno, que o acompanhava, e esse exército poderia parecer útil aos reis filisteus, se ele se mostrasse de fato como um rebelde que se indispôs contra Saul e até mesmo contra o povo de Israel.

Neste caso, teriam que pagar impostos aos filisteus – impostos e outros tributos que conseguiriam pagar à custa de saques.   Saques eram muito praticados pelos filisteus – saqueavam as safras e as casas de Israel, com o objetivo de enfraquecê-los.   Uma vez enfraquecido, seria muito mais fácil dominá-los e tomar-lhes o poder de império.

Davi resolve então e faz contato com Áquis, o rei da cidade real de Gate, novamente, e desta vez promete que lhe será útil, saqueando as terras de Israel.

Essa proposta de Davi pareceu algo maravilhoso para Áquis.   O rei filisteu conhecia a fama de Davi, e apesar de o jovem judeu ter-lhe dado tantas dores de cabeça no passado, quando militava nas fileiras de seu maior inimigo, agora lhe pareceu que aquela enxaqueca passaria para a cabeça de Saul, e que o jovem que matava dez mil filisteus passaria para o seu lado, como um valioso aliado.   Isto fez brilhar os olhos de Áquis, como uma alegre notícia alvissareira.

A perseguição de Saul à caça de Davi já era algo sabido entre os filisteus.   Aquilo parecia fazer sentido aos olhos de Áquis.   Os conselheiros do rei filisteu, entretanto, faziam suas conjecturas a respeito, e sentiam-se no dever de preveni-lo contra quaisquer enganos.   Como então terem certeza de que Davi não se trataria de uma armadilha do destino para prejudicar o reino filisteu?   Com todos os senões, aquele era um risco que pareceu valer a pena correr-se, pois prometia muitos benefícios ao seu reino.   Contudo, Davi deveria passar por uma fase de observação contínua, a fim de provar se de fato ele estava contra Israel e a favor de Áquis.

Áquis aceitou que Davi fosse morar, juntamente com os seiscentos e suas famílias, em Gate, sob o olhar de toda a corte filisteia, e para lá se foram eles.

Saul soube disso e assim cessou aquela perseguição aficionada contra o seu jovem ex-pajem de armas, harpista, salmista, e guerreiro.

Acomodar em Gate, porém, seiscentos homens e suas mulheres e filhos seria aceitar o desafio administrativo de ter que oferecer casas residenciais para cerca de duas mil a três mil pessoas.   Em que pese Gate ser a cidade do rei, onde se assentava também a sua corte, não havia ali uma estrutura planejada para tanto, o que significa que certo desconforto teve que ser suportado por bom tempo pelos recém chegados, e uma inconveniente convivência persistia em incomodar a todos os seus moradores.   Poços de água passaram a ser mais disputados, crianças passaram a ser mal educadas umas com as outras, e tudo parecia forçar os dois lados a separarem-se de alguma forma, para o bem de todos.

Esses inconvenientes eram triviais, mas deram ensejo a Davi pleitear, com muita sabedoria, oportunamente, uma cidade exclusiva para ele e seus companheiros.   Era , afinal, um pedido feito com fortes razões tanto para judeus como para filisteus.

Áquis pensa bem, e lhe vem um nome à sua mente: – Ziclague.

Ziclague era uma cidade que em outros tempos pertenceu à tribo de Simeão, na região fronteiriça com a tribo de Judá, mas devido às incursões dos filisteus, esta passou às suas mãos, e tinha a disponibilidade capaz de abrigar toda a multidão que Davi trouxera consigo.   Certamente, estava lá a solução.

Áquis ficaria livre do quebra-cabeças administrativo que aqueles judeus lhes estava oferecendo, e Davi continuaria ao seu serviço, como um forte aliado contra Saul.   E qualquer um que fosse inimigo de Saul seria um interessante reforço em suas guerras contra Israel.

Esta concessão ficou muito favorável aos planos secretos de Davi.   Ele passou a sentir-se muito mais livre e à vontade para executá-los.

Trazer tributos e presentes a Áquis seria algo inevitável e até muito conveniente, mas aonde ir buscá-los?   Se Davi dissesse que teria invadido os termos de Judá para saquear, isto seria uma informação que convenceria ao rei filisteu de que tudo estaria correndo muito bem para os filisteus, e mal para Saul e seu povo israelita.   Além do mais, isto seria um indício forte de que Davi passou a aborrecer e a perseguir à sua própria nação de origem.   Sinal de que o ódio se teria instalado e causado a cisma entre Davi e o povo de Israel.   Seria um trunfo muito doce ao paladar de Áquis, algo que lhe pareceria uma sorte grande a lhe sorrir.

E era isso o que Davi quis que pensassem, e o que passou a dizer aos filisteus.   Os frutos dos saques que ele trazia a Gate, porém, não eram oriundos do povo das cidades de Israel.

Davi afirmava que tinha atacado: (1) o sul de Judá; o sul dos jerameelitas (descendentes de Jerameel, filho de Hezrom, neto de Perez e irmão de Calebe); (2) e o sul dos queneus (povo descendente de Jetro, sogro de Moisés, aliados de Israel).

Onde, pois, Davi havia atacado realmente?   As áreas ao sul de Judá, onde moravam os (1) gesuritas (um povo que vivia ao sul do território dos filisteus); (2) os gersitas (tribo cananeia expulsa do território de Israel, que passou a se estabelecer em outros termos, nas proximidades do sul do Mar Morto); e os (3) amalequitas, inimigos contumazes e ferozes de Israel desde a época do Êxodo.

Com esta peripécia Davi estava, na verdade, protegendo ao seu povo de origem, ao invés de atacá-lo, angariando assim, mais pontos a seu favor perante os seus, e desta maneira ele crescia em popularidade para com os de sua casa.

Um detalhe sinistro acompanhou Davi nesse período de sua vida, o qual repousara sobre o modus operandi com que ele desferia aqueles ataques fatais.   Os povos das localidades que ele saqueava eram totalmente exterminados.   Ele não deixava sequer um homem ou mulher vivos para contarem como foi essa história. Isto era realmente terrível.   Se um desses povos avistasse as tropas de Davi vindo ao seu encontro, era o sinal de morte certa, sem escapatória.

Esses genocídios, porém, por horrendos que pareçam, já haviam sido ordenados pelo Senhor desde a época de Josué, quando houve a conquista da terra, cerca de quatrocentos anos antes.   O que Davi fez, pois, foi dar continuidade ao mandado de Yaweh, ainda que um tanto de tempo depois.

Esta forma de executar o seu plano tinha a finalidade de impedir que Davi fosse delatado por algum sobrevivente que migrasse até Gate.   E assim viveu Davi e seus homens por certo tempo, como um mercenário de vida dupla.

Não podemos, no entanto, julgá-lo hoje, nos termos da revelação do Novo Testamento, pois que ele vivia em outra dispensação, em outras circunstâncias.   Malgrado toda a matança que tais judeus fizeram durante o período de um ano e quatro meses, sabemos que mesmo os homens de Deus mais fervorosos e espirituais tiveram lá os seus defeitos.   Davi teve os seus.

Cremos, por outro lado, que esses extermínios de povos deram causa a que não fosse permitido que Davi pudesse construir o Templo de Jerusalém, uma vez que o Senhor o rotulou de “homem de sangue” (I Crônicas 22:8).

De qualquer modo, através dessa prática enganosa foi que Áquis aceitou e creu plenamente que Davi lhe estivesse sendo um fiel colaborador, voltando-se até contra o povo de Yaweh – o que não era verdade, apesar de que os presentes e os tributos que lhe eram trazidos aparentassem ser uma “prova de fidelidade”.

A fidelidade que realmente residia no coração de Davi era totalmente dedicada ao Senhor seu Deus Yaweh, e consequentemente, por extensão, também ao povo que se chamava pelo Seu nome.

Os povos antigos criam que cada localidade desta Terra seria controlada e regida por um deus, de modo que, ao migrar de Israel para as cidades dos filisteus, muitos acreditavam que teriam que ser regidos pela divindade local.   Assim, quando Davi foi morar em Gate, alguns creram, entre os quais também o rei Áquis, que teria havido um desligamento de Yaweh, o que acarretaria por certo em alguma futura tendência de apego a algum deus filisteu. O que de fato, porém, aconteceu, foi que Davi demonstrou fidelidade aos seus princípios, e ao Deus com quem teve mui íntima comunhão desde aquela visita de Samuel à casa de Jessé, nos dias de sua tenra juventude.

A lição que fica é: quando em lutas e provas, mesmo andando em território inimigo, como será a nossa performance? Quando somos testados pelos homens, que nos pressionam para abandonarmos nossa fé, como atuamos?

Que o Senhor nos dê sempre a força e o poder de estarmos em pé diante de quaisquer que sejam as circunstâncias.   Sejamos benditos do Senhor hoje e sempre, em quaisquer lugares.


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